O movimento dos focolares foi fundado por Chiara Lubich em 1943. Atualmente o movimento está presente em todos os continentes e em mais de 180 países.
Participo do movimento a muitos anos. Nós nos reunimos uma vez ao mês na casa de um dos membros. Fazemos uma merenda, rezamos, cantamos e refletimos sobre a palavra de vida.
Às vezes, algum dos membros conseguia chamar uma pessoa para participar. E sempre que isso acontecia, um vídeo contando a história do movimento era exibido. Em particular, uma das histórias que sempre apareciam era a do sapato 42. Eu ouvi essa história tantas vezes que sentia um engou toda vez que sabia que aquele mesmo vídeo seria exibido.
A história falava sobre o período da segunda guerra mundial. Chiara e suas companheiras viram todos os seus ideais serem impossibilitados pela guerra. Casamentos foram cancelados, estudos foram adiados, e muitos outros sonhos apagados. Chiara percebeu então que o único ideal que não passava era Deus. Amar a Deus sobre todas as coisas passou a ser o ideal das primeiras focolarinas. E foi neste contexto que aconteceu a história do sapato 42. Um dia Chiara estava indo assistir a uma missão quando um mendigo lhe perguntou se ela possuía um sapato de tamanho número 42 para que ele pudesse se calçar. Obviamente, nem Chiara nem suas companheiras possuíam o dito sapato. E em meio aos bombardeios da guerra, não havia outros meios de arranjar.
Depois de ter recebido a eucarística, Chiara rezou pedindo a Deus que arranjasse o sapato 42 que aquele pobre homem tanto precisava. Ao sair da missa, uma moça veio ao encontro de Chiara. Por saber que Chiara tinha o costume de ajudar os pobres, a moça entregou-lhe um pacote para doação. Chiara abriu o pacote assim que o recebeu e lá estava um sapato número 42.
Para quem não me conhece, meu nome é Éric. Eu sou doutor em física. Passei muitos anos estudando intensamente os assuntos acadêmicos. Mas, apesar de tudo, passei quase dois anos desempregado. E isso me machucava muito.
Um dia durante a crisma eu tive a oportunidade de falar sobre a minha angustia do desemprego. Não consegui conter minha emoção e chorei. O catequista se sensibilizou com a minha melancolia e me dirigiu a palavra. Ele disse que Maria havia dito no ouvido dele que eu estaria empregado no ano seguinte. E me pediu que rezasse o terço todos os dias.
No nível de desespero em que eu me encontrava, eu aceitei o desafio. Rezei quase todos os dias e muitas vezes até de joelhos. Cheguei a rezar o terço mais de uma vez por dia. Além disso, eu fazia promessas diariamente a Deus. Prometia que se eu arrumasse um emprego entregaria 10 ou 20% da minha renda a Deus.
Passou uma semana e nada. Um mês e nada. Não sentia que meu “sacrifício” estava sendo correspondido.
Enquanto não arranjava um emprego eu ajudei meu pai no consultório dele. Indo para o consultório, todos os dias eu passava por um semáforo em particular. Sempre tinha um senhor com uma cartolina escrita com a mensagem: “Sou um pai desempregado, me ajude a manter a minha família”. Eu dificilmente ajudava e quando fazia era com os trocados que sobravam dentro do carro.
Certa vez, eu estava passando por esse mesmo semáforo. Eu estava preocupado com uma conta que havia feito e que eu não sabia como iria pagar. O valor que iria vir na fatura do meu cartão era superior ao que eu possuía em conta corrente e eu temia que essa conta fosse aumentando com o tempo ao ponto de não conseguir pagar de jeito nenhum. Enquanto pensava nas contas, o sinal do semáforo ficou vermelho. Eu parei o carro e vi aquele mesmo pedinte de sempre, porém dessa vez ele estava com uma placa diferente: “preciso de uma cesta básica”.
Aquela mensagem me despertou do egoísmo. Eu tinha comida, um lugar para dormir e ainda não tinha nenhum filho para cuidar. Meus problemas não eram nada diante dos problemas daquele homem. O sinal abril antes que eu pudesse falar com ele. Decidi que iria ajuda-lo mesmo eu não tendo dinheiro para isso. Comprei uma cesta básica.
Voltei ao semáforo e infelizmente não encontrei o homem. Resolvi deixar a cesta básica na igreja. Após isso, voltei à minha rotina normal. Quando boto o pé dentro do consultório, recebi uma ligação. Tinha um ddd do Maranhão e eu quase desliguei pensando que era telemarketing. Uma voz masculina atendeu dizendo meu nome. Estava me chamando para assumir uma posição como professor no Maranhão. Eu nem sequer tinha visto uma lista de classificados, mas já estava sendo chamado para assumir à posição. Com esse emprego Deus havia me dado as condições para pagar a cesta básica.
Dentro do focolare nos é ensinado a ver Jesus no outro. Não importa se gostamos ou não da pessoa. Devemos amar o nosso irmão pois nele há um Jesus precisando ser amado. Pensando sobre essa ótica, a história do sapato 42 fica mais profunda do que aparentava de início. Não se trata apenas de um milagre. O homem que pedia o sapato para Chiara era Jesus precisando de um sapato. E a moça que ofereceu o sapato para Chiara também era Jesus. Então, por que Jesus precisou de Chiara? Por que ele não fez a doadora do sapato se encontrar diretamente com o pedinte?
Deus nos ama da mesma forma que um pai (mãe) ama um filho. Muitas vezes alguns pais dão dinheiro aos filhos para que estes comprem presentes para os pais. Os pais não precisam que o filho faça isso, afinal o dinheiro era deles em princípio, eles poderiam ter comprado o presente se quisessem. Mas, neste caso, os pais ficam felizes por terem sido presenteados pelo filho e não por causa do presente recebido. Da mesma forma, Jesus precisou de Chiara. Porque ele sabia que ela daria o sapato de volta para ele. Ele queria dar a Chiara a oportunidade de ama-lo.
Por esse motivo, eu vejo que minha cesta básica foi o equivalente ao sapato 42 de Chiara. Eu não tinha o dinheiro para a cesta quando a comprei. Mas, como diz a oração: “a quem dá será dado”, Deus me garantiu uma forma de pagar aquela cesta.
Hoje eu entendo o porquê de minhas orações não terem sido atendidas. Como Deus ficaria contente em receber uma fração do que já era dele? Deus não precisa do meu dinheiro. Deus não precisava das minhas penitências. Deus não precisa da minha cesta básica. Ele precisa de minhas ações. Ele quer que eu seja obediente aos seus mandamentos, em especial o que diz: “amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado”.
O que lhes contei até aqui pode parecer uma mera interpretação romântica de um fato doloroso ocorrido no meu passado. Muitas vezes, nós contamos histórias de superação com o objetivo de mostrarmos a outras pessoas o quanto nós somos virtuosos. Mas, por esse mesmo motivo acabamos por nos desvirtuar nos tornando vaidosos. Por isso, eu relutei em contar essa história. Mas, uma enorme “coincidência” ocorrida naquele mesmo dia me fez perceber que tudo aquilo não havia sido mero fruto da minha interpretação.
Naquele mesmo dia eu fui em uma reunião da crisma. Durante a reunião foi lido o seguinte trecho da bíblia (Isaías 1:11-20):
11 “Para que me oferecem
tantos sacrifícios?“,
pergunta o Senhor.
“Para mim, chega de holocaustos de carneiros
e da gordura de novilhos gordos.
Não tenho nenhum prazer
no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes!
12 Quando vocês vêm à minha presença, quem pediu que pusessem os pés em meus átrios?
13 Parem de trazer ofertas inúteis!
O incenso de vocês
é repugnante para mim.
Luas novas, sábados e reuniões!
Não consigo suportar suas assembleias
cheias de iniquidade.
14 Suas festas da lua nova
e suas festas fixas, eu as odeio.
Tornaram-se um fardo para mim;
não as suporto mais!
15 Quando vocês estenderem as mãos em oração,
esconderei de vocês os meus olhos;
mesmo que multipliquem
as suas orações,
não as escutarei!
As suas mãos estão cheias de sangue!
16 Lavem-se! Limpem-se!
Removam suas más obras
para longe da minha vista!
Parem de fazer o mal,
17 aprendam a fazer o bem!
Busquem a justiça,
acabem com a opressão.
Lutem pelos direitos do órfão,
defendam a causa da viúva.
18 “Venham, vamos refletir juntos”,
diz o Senhor.
“Embora os seus pecados
sejam vermelhos como escarlate,
eles se tornarão brancos como a neve;
embora sejam rubros como púrpura,
como a lã se tornarão.
19 Se vocês estiverem dispostos a obedecer,
comerão os melhores frutos desta terra;
20 mas, se resistirem e se rebelarem,
serão devorados pela espada.”
Pois o Senhor é quem fala!
Após ler esta passagem, a irmã que conduzia a reunião fez a seguinte reflexão: “muitas pessoas são viciadas no terço. Muitas pessoas vivem rezando de joelhos. Muitas pessoas vivem fazendo promessas e penitências. Mas, não ajudam o irmão que passa fome…”.
Eu ouvi essas palavras da irmã como se fosse Deus estivesse falando diretamente comigo. Como se ele estivesse dizendo: “esta é a lição que eu quero que você tire dessa experiência”.
“A fé sem obras é morta” (Tg 2, 17)
Por isso, eu senti que essa história era muito mais do que um fato que me ocorreu, mas continha uma lição que eu precisava passar a diante.
Assim como na história do sapato 42, Deus me fez entender (dessa vez na prática) que oração somente não basta. É preciso agir.






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